Vagão Cultural – Les Bleus – Une Autre Histoire de France
Documentário mostra a relação da seleção francesa com os problemas étnicos do país entre 1996 e 2016
Por Lucas Guanaes
Para se ter uma ideia da qualidade da obra, arrisco-me a dizer que está entre as melhores dicas que a LE já deu nos Vagões Culturais desde a nossa criação. O documentário mostra os bastidores da seleção francesa no período entre 1996 e 2016 e sua profunda relação e influência na política e sociedade do país europeu. Isso tudo, no entanto, pelo olhar dos próprios jogadores.
Todos conhecemos a verdadeira montanha russa pela qual os Les Bleus passaram nos últimos 20 anos. Título mundial sobre o Brasil (1998), título da Eurocopa (2000). Eliminação vergonhosa na primeira fase da Copa (2002), eliminação na Eurocopa para a Grécia (2004). Vice campeonato mundial na Alemanha (2006), campanha ridícula na Euro 2008. Nova eliminação na primeira fase em 2010, na África do Sul, seguido de desempenho mediano na Euro 2012.
Por trás de tudo isso, uma sociedade e política fervilhantes, extremamente afetadas pelas políticas migratórias e sempre com a extrema-direita esperando sua oportunidade de finalmente subir ao poder por meio das eleições. A maneira como a seleção foi usada para construir campanhas políticas e/ou raciais é mostrada de maneira extremamente convincente na obra.
A grande miscigenação francesa, entre negros, brancos e árabes (norte-africanos), sob o mote black-blanc-bleur sempre é mostrada como o principal do trunfo da seleção, em caso de vitória. Nas derrotas porém, tal “mistura” também é usada como argumento para justificar o desempenho. A questão da naturalização de jogadores, praticamente um barril de pólvora numa sociedade conflituosa, está muito bem retratada também.
Participam do documentário personalidades políticas do período, como algumas ministras do esporte e o atual presidente François Hollande. Vários jornalistas também marcam presença, além dos atores Omar Sy e Jamel Debbouze. Mas os grandes momentos realmente ficam pelas críticas e visões dos jogadores mais proeminentes nas críticas quanto ao modo que a seleção era usada como faixada política.
Eric Cantona, Robert Pirés, Lilian Thuram, Youri Djorkaeff, Govou, além dos treinadores Arsene Wenger e Raymond Domenéch, entre outros ex-futebolistas, dão seus depoimentos e mostram suas visões. Ora como franceses natos, ora como naturalizados. Ora como brancos, ora como negros ou árabes. São vários os pontos de vista mostrados cronologicamente.
Como você já deve ter deduzido, quando a seleção conseguia bons resultados, toda a tensão em torno destes assuntos se apaziguava. Nos fracos desempenhos, no entanto, o debate voltava à tona com cada vez mais força. Crises internas da seleção também estão retratadas, como a suposta falta de patriotismo, quando muitos jogadores se negaram a cantar A Marselhesa, até a polêmica envolvendo Anelka em 2010. O atacante, inclusive, está presente no documentário.
Os fatos vão caminhando até os atentados terroristas em 2015 e 2016, com depoimentos de quem estava em campo no momento dos ataques, bem como na Euro 2016, como é o caso de Giroud. Há a relação inclusive, dos atentados com as políticas migratórias que poderiam ter sido implementadas em 1998, após o título da Copa do Mundo, mas que foram deixadas de lado e/ou distorcidas.
Enfim, a película é excelente. Mostra como o futebol (ou qualquer outra modalidade) é mais do que um simples esporte, podendo afetar profundamente a sociedade do país representado, moldando também o comportamento da população. Recomendação total.
A obra está disponível na Netflix.
O FILME
Les Bleus – Une autre histoire de France (Os Azuis – Uma outra história da França)
Ano: 2016
Produção: França
Duração: 103 minutos
Direção: David Dietz, Sonia Dauger e Pascal Blanchard
- VIA
- Lucas Guanaes
- TAGS
- LE
- Outros
- vagão cultural
Leave a comment