É PRA TODO MUNDO
Como o eSport abriu espaço para a comunidade LGBT mesmo sob constantes ataques homofóbicos
Por Gabriel Castro e Wesley Gonçalves
O termo pode até parecer novo, mas o “eSports” (Esporte Eletrônico) encontra origens desde a década de 70. De forma simples, a palavra busca explicar as disputas ou competições organizadas de jogos entre atletas profissionais. Febre mundial, os eSports atingem melhores números em audiência e faturamento a cada ano.
Apenas em 2015 foram mais de 35 milhões de espectadores no League of Legends e 27 milhões no Counter Strike Global Ofense. Na parte financeira, o Dota 2 pagou cerca de R$ 31 milhões em premiações de suas competições. Seus competidores também ganham boa parte dessas premiações. O jogador de Dota Peter Dager recebeu cerca de 1 milhão e 700 mil dólares com suas vitórias. Exemplo do tamanho atingido por esses novos esportes é o campeonato de League of Legends de 2013, que ocorreu no Staples Center (ginásio do Los Angeles Lakers) e atraiu 32 milhões de espectadores ao redor do mundo.
As expectativas do esporte eletrônico para os próximos anos são muito positivas. O mercado ainda tem muito que crescer com as novas tecnologias em desenvolvimento e novas empresas que investem no mercado. O cenário competitivo está cada dia mais profissionalizado e os atletas, mais valorizados. Além disso, existe uma grande probabilidade de contarmos com o esporte eletrônico nas olimpíadas, o que poderá impulsionar ainda mais o mercado.
As origens acerca do esporte eletrônico vieram da Coréia do Sul e alguns outros pontos da Ásia e até Europa. Na própria Coréia o eSports é modalidade competitiva reconhecida pelo governo desde o ano 2000. Por isso, tamanha tradição e preocupação com esse meio. A primeira competição que se tem notícia aconteceu em outubro de 1972 entre os alunos da universidade de Stanford, nos EUA. Criaram uma olimpíada de Spacewar com premiação de um ano de assinatura da revista Rolling Stone. Em 1980 a Atari realizou a primeira grande competição de eSports, o “Space Invaders Championship”. Contou com a participação de cerca de 10 mil pessoas de todos os EUA.
O maior volume do dinheiro gerado vem parte das transmissões online. As livestreams, diferente do Youtube, que não depende de horários, exigem que o telespectador pare o que está fazendo para acompanhar, o que resulta em maior engajamento. Os atletas recebem salário, bônus por rendimento, patrocinador e até dinheiro de transmissões com sites de Streams. Interessante notar que os valores alcançados nesse mundo dos jogos só ocorrem porque a comunidade suporta os jogos de maneira muito fiel.
Muitos jogadores profissionais são jovens na faixa dos 18 anos, considerados atletas pelo meio devido a uma rotina voltada diretamente ao esporte. Vivem em alojamentos, lugares onde esses jovens dedicam seu tempo para alcançar a excelência. Essas casas possuem as despesas pagas como aluguel, comida e etc. Treinam de seis a oito horas por dia com acompanhamento psicológico e horários bem regrados.
Para os adeptos, a glória de vencer as partidas vale mais do que o dinheiro gerado. Como todo esporte considerado tradicional, os eSports também possuem ligas, times e jogadores dedicados. Grandes empresas que se relacionam com games patrocinam as equipes, aliando sua marca aos atletas e suas conquistas. Com isso, as marcas também ganham mais notoriedade em meio à grande legião de fãs de alguns jogadores.
LGBTs no mundo dos eSports
Assim como ocorre nos esportes tradicionais, a comunidade LGBT tem ganhado cada vez mais espaço e força para se assumir publicamente. Nos últimos Jogos Olímpicos, no Rio de Janeiro, uma série de atletas assumidamente gays competiram por diversos países. Indo ao encontro desse movimento, atletas e até personagens dos games têm surgido com mais frequência no mundo dos eSports se declarando abertamente homossexuais. Contudo, apesar da representatividade, o cenário dos jogos online ainda se mostra preconceituoso e homofóbico.
No mundo dos games os personagens gays começam a aparecer. A Riot, empresa detentora do jogo League of Legends, divulgou em novembro de 2017 a história de seu primeiro personagem gay, Varus. A informação foi anunciada com a divulgação de uma HQ contando sobre o personagem, que mostrava a origem do atirador, que segundo o conto seria filho de um casal de caçadores gays. Apesar de seu lançamento no ano de 2009, só oito anos depois é que a empresa se posicionaria a favor da comunidade LGBTs.
Outros personagens do game geram rumores sobre suas histórias e orientação sexual, assim como os campeões Taric e Ezrial. Alguns jogadores vem torcendo (“shipando”) para que eles se tornem um casal, escrevendo inúmeras fanfics acerca do romance entre eles. Porém, até o momento, a confirmação desse casal e o surgimento de novos personagens LGBTs segue apenas no imaginário dos fãs.
Se assumir nunca é uma tarefa fácil para a comunidade LGBT. Ter esse tipo de conversa dentro dos lares ainda é um tabu que causa medo em muitos jovens gays pelo mundo. Um dos principais motivos é o receio de possíveis reações conservadoras da família e amigos.
O preconceito ainda é um assunto recorrente, principalmente quando vemos os números. Segundo o relatório divulgado em 2018 pela Anistia Internacional, o Brasil é o país onde mais se mata a comunidade gay no mundo, com pelo menos um homicídio a cada 19 horas, somando 445 mortes apenas em 2017. Com esse cenário, se assumir publicamente é mais do que uma questão de orgulho, mas também de segurança física e emocional.
As implicações de assumir a sexualidade podem ir além das questões de segurança pública, mas também no que tange às oportunidades no mercado de trabalho. Uma pesquisa de 2013 do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) mostrava que um terço dos gays evitava se assumir no ambiente de trabalho com medo de rejeição. Outra pesquisa, de 2015, de uma empresa de recrutamento mostrava que 20% das empresas de recusavam a contratar homossexuais com medo de terem sua imagem associada a eles.
Para os jogadores profissionais dos esportes eletrônicos esse cenário parece estar mudando com os primeiros exemplos de representatividade. O jogador Gabriel Bomh, 22, mais conhecido pelo apelido de Kami, saiu do armário em 2014 em uma publicação do Facebook, após rumores sobre sua sexualidade.
Na postagem da rede social ele explicou que decidiu se assumir por conta das constantes perguntas sobre sua orientação sexual. “Vocês vivem me perguntando se eu fico incomodado com ‘Kami, você é gay?’ nas streams. Pois bem, agora que eu posso responder: não, nunca me senti incomodado, e de verdade eu queria muito responder ‘sim’, mas tinha medo das reações,” escreveu o jogador, que continuou falando sobre seus sentimentos. “Sempre falei pra vocês que sou eu mesmo e sincero com vocês nas streams, e realmente procuro não criar um personagem. Mas pelo fato de eu não poder responder à pergunta que eu mais li no ano, eu sentia como se estivesse enganando vocês”.
No mesmo ano outro nome da liga profissional de League Of Legends deixou o armário. O jogador Gustavo Alves, conhecido como Minerva, atuava na época pelo time Kabum quando se assumiu publicamente. Desde então não surgiram outros nomes de atletas LGBTs no mundo profissional, mas nas partidas amadoras os números são outros.
O grupo do Facebook League Of Divas reúne mais de 80 mil inscritos. São jogadores e jogadoras amadores, homens, mulheres, principalmente membros da comunidade LGBTS, trazendo discussões sobre League Of Legends. Os membros costumam falar sobre personagens, partidas, e comentar sobre as mudanças no jogo, entre outros assuntos.
O preconceito mora ao lado, no chat
“Eu sinto preconceito de alguns players, sim. Já passei por uma situação com um (jogador) homofóbico, eu o reportei através de ticket (abrir uma denúncia depois do fim da partida) e após o encerramento do jogo. A Riot o puniu de alguma forma, mas só porque já haviam ocorrido outras denúncias também.” Essa é o relato de Stivie Bryan, jogador há 5 anos.
Esse não é um relato único. Em fóruns de jogadores internet afora é possível ver pessoas denunciando atitudes de machismo, racismo, homofobia, entre outros, o chamado rage, termo que significa xingar os companheiros de partida nos chats dos jogos. Para coibir esse tipo de atitude, o jogo conta com mecanismos de denúncia que podem ser usados pelos usuários que se sintam ofendidos de alguma maneira.
Porém, nem todas acabam recebendo atenção, como é o caso da jogadora Thais Fritolli. Ela participa das partidas há cerca de cinco anos, e nesse período já teve que lidar com alguns comentários machistas no chat. “Eu já reportei algumas vezes os caras que ficam dando rage no inbox, mas nada acontece. Os insultos são sempre porque eu sou uma menina jogando. Uma vez em uma partida um dos meninos disse que eu deveria voltar para a cozinha. Eu reportei, mas nada aconteceu,” lamentou Thais.
O caso mais recente de repercussão foi o da jornalista Carolina Oliveira, conhecida como Tawnaa no mundo do LOL. Durante uma partida foi atacada pelos companheiros no chat, apenas porque seu jogo havia demorado para carregar. O usuário “Mexilhão Feioso” começou a xingar a jogadora de “vadia”, “burra”, “filha da puta” e outros nomes. Pelo Twitter a jornalista divulgou as fotos das mensagens anunciando que faria a denúncia do acontecido à Riot. “Durante cinco anos eu tive que ficar lendo coisas como essa em um jogo que eu curto jogar e nunca mostrei muito aqui. Hoje aguentei esses dois caras em plena live porque meu jogo demorou para iniciar. Algo que era pra ser divertido acaba sendo desanimador. Chega de ficar calada,” lamentou Carolina.
Em entrevista, a jornalista incentivou que meninas que jogam denunciem casos como o dela. “Não se escondam atrás de nicks, não deixem esses ataques debaixo do tapete. Mostrem que vocês são mulheres sim, que vocês têm habilidade de jogar bem também, e exponham os ataques e a opinião de vocês, para que cada vez mais os homens se conscientizem, que esse tipo de atitude não é legal. Não abaixem a cabeça meninas, jamais,” incentivou a jogadora.
Caroline, de 24 anos, participa do cenário de League Of Legends desde 2015, acompanhando streams e vendo vídeos, e em 2017 decidiu começar a jogar. Ela conta que logo no começo já sofreu ataques de outros jogadores e que até hoje quando descobrem que é uma mulher é atacada nas partidas. Carol joga de Suporte e Caçadora, posições que exigem conhecimento e liderança, mas nem sempre é respeitada: “Escolho por vontade própria a lane e não porque acho inferior ou mais fácil. Além disso, nas próprias partidas às vezes dou “calls” ou dicas e sou ignorada.
Segundo ela, os jogadores do sexo masculino entre 15 e 30 anos são os principais agressores e que sempre denuncia para a Riot, mas não recebe resposta: “Já reportei rages, ataques contra mim, nicks ofensivos, no entanto, nunca vi ou recebi o resultado. Somente aquela mensagem ‘obrigado por participar’, padrão”. O tratamento recebido por ela é comum entre as mulheres, e não parece que haverá mudança: “Faço parte de dois grupos voltados para LOL (um voltado para mulheres e LGBTs e o outro somente para quem se identifica como mulher), e pelas postagens as mulheres acreditam que não haverá atitude pela Riot”.
Para as mulheres que convivem com atitudes como essa, ela dá a dica: “Se você gosta de qualquer tipo de eSport, não tenha medo de começar a jogar e não se importe com comentários machistas presentes no jogo. Uma dica seria: Procure se unir e participar de grupos, ou jogar com pessoas conhecidas, pois a experiência vai ser melhor .”
Segundo as instruções no site da empresa que gere o jogo, caso algum usuário se sinta ofendido ele deve reportar o ocorrido, que será analisado em seguida. “Se você encontrar experiências ofensivas, negativas ou conflituosas dentro do League of Legends, você pode denunciar o jogador infrator no final da partida. Uma vez que a denúncia é feita, nossos sistemas disciplinares revisarão a partida dentro de minutos para determinar se uma penalidade deve ser aplicada,” instrui o site.
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