VEIAS ABERTAS DO FUTEBOL LATINO – 2ª TEMPORADA (PARTE 7)
Os tentáculos do narcotráfico no futebol mexicano
Por Fabio Toledo
Era o começo de 2010, um ano que seria histórico para Salvador Cabañas, ídolo da torcida do América e grande nome da seleção paraguaia, representante sul-americana na Copa do Mundo. Em 25 de janeiro, no banheiro de uma casa noturna na Cidade do México, tudo mudou para o atacante. Após uma discussão, Cabañas levou um tiro na cabeça e por sorte não morreu. Ainda que tenha se recuperado e até mesmo tenha voltado a jogar, apesar de algumas sequelas – a bala não pode ser removida –, perdeu a oportunidade de disputar o Mundial e não teve mais condições de atuar no mesmo nível.
O autor do disparo foi José Jorge Balderas, conhecido como “JJ”, associado ao narcotraficante Edgar Valdez Villarreal, “La Barbie”, preso em agosto de 2010 pela polícia mexicana. Em depoimento após preso, Valdez contou que ajudou JJ a se esconder após o ocorrido. Por conta do atirador ser um narcotraficante, a suspeita da polícia era de que uma possível dívida por drogas teria ocasionado o atentado. No entanto, segundo as investigações, foi apenas uma briga sem antecedentes.
Amizades perigosas
Cabañas foi mais uma vítima da violência que o narcotráfico difundiu na sociedade mexicana. Mas os tentáculos dos narcos no esporte existem e são fortes. Um grande exemplo vem do boxe, onde Julio César Chávez, um dos maiores pugilistas da história, chegou a afirmar ter amizade com narcos distintos, ainda que negue ter participado de atuações ilícitas com eles.
A relação é tão próxima que Omar Chávez, filho de Julio César, estava na festa de 63 anos de Francisco Rafael Arellano Félix, do Cartel de Tijuana, marcada pelo assassinato de Félix por um sicário fantasiado de palhaço, em 2013. Quem também estava na festa era Jared Borgetti, atacante histórico do México na década de 90 e início dos anos 2000.
Já outro futebolista não só tinha amizades com traficantes, como se tornou um. Omar Ortiz, conhecido como “El Gato”, foi um goleiro de ampla trajetória no futebol mexicano, atuando por Monterrey, Celaya, Necaxa, Jaguares e Atlante, em 13 anos de carreira. Mas em 2010, foi pego no doping por uso de esteróides anabolizantes. Dois anos depois, foi preso como membro de um grupo que traficava drogas e sequestrava pessoas.
Omar Ortiz seria uma exceção à regra de envolvimento de esportistas com o narcotráfico. Fora seu caso, o máximo encontrado foi a participação em esquemas de lavagem de dinheiro. E ninguém menos do que o futebolista mais famoso do país tem seu nome vinculado a um.
Rafa e “El Tío”
A preparação da seleção mexicana para a Copa do Mundo de 2018 não foi nada calma. Na despedida do solo asteca, alguns jogadores fizeram uma festa com 30 prostitutas. Isso gerou a fúria da imprensa mexicana e de muitos torcedores, mas o problema não foi só esse. Em meio à desconfiança pelo seu trabalho, o técnico Juan Carlos Osorio manteve em sua convocatória Rafa Márquez. Grande nome do futebol do país, o já veterano zagueiro é investigado pela Justiça dos Estados Unidos por um suposto envolvimento com lavagem de dinheiro de vindo do narcotráfico.
Na Rússia, vestiu uniformes de treinamentos diferentes de seus companheiros – sem patrocinadores, que o boicotaram – e nem mesmo bebeu a mesma água – a empresa não queria seu rótulo sendo exibido por ele. Rafa também não pode dar entrevistas com o banner oficial da FIFA atrás e não recebeu a premiação por participar da competição. Tudo isso por aparecer como um dos laranjas de Raúl Flores, conhecido como “El Tío”, um dos narcotraficantes mais longevos do México.
Detido em 2017, Raúl Flores Hernández, também conhecido por Miguel Casas Linares, opera desde a década de 80 de maneira independente, mantendo relações com vários cartéis de drogas e utilizando laranjas para lavagem de dinheiro precedente do narcotráfico. A organização criminosa liderada por ele inclui inúmeros membros de sua família e parceiros em atividades ilegais como tráfico e lavagem de dinheiro. Entre essas pessoas, está Rafa Márquez, de acordo com o Departamento do Tesouro dos EUA.
Segundo as investigações, a relação de Rafa com “El Tío” começou há 20 anos. Desde então, o jogador é laranja do narcotraficante em várias empresas, todas relacionadas ao esporte. Ainda de acordo com o Departamento do Tesouro dos EUA, seriam elas: Escuela de Fútbol Rafael Márquez, Asociación Civil; Futbol y corazón AC; Grupo Deportivo Alvaner, S.A de C.V; Grupo Deportivo Márquez Pardo; Grupo Nutricional Alhoma; Grupo Terapéutico Hormaral; Grupo Terapéutico Puerto Vallarta e Prosport & Healt Image – todas localizadas em Guadalajara, Jalisco.
Meio século de carreira
Raúl Flores dedicou todo seu tempo de vida adulta ao narcotráfico. Mantendo um perfil discreto (“low profile”), teria 50 anos de carreira (como afirma a versão digital do jornal Milenio), fazendo negócios com vários cartéis, a partir do tráfico de maconha até a chegada da cocaína da Colômbia, na década de 80. Por seu caráter independente, tem alianças com os cartéis de Sinaloa, de Tijuana e com o Jalisco Nueva Generación, também desenvolvendo um enorme esquema de lavagem de dinheiro, que servia inclusive para lavar o arrecadado por outros grupos, desde 1983.
“El Tío” se fez muito rico com a venda e distribuição de cocaína, ainda mais por organizar esse grande esquema de lavagem de dinheiro. De acordo com o Departamento do Tesouro Norte-Americano, a rede possui cerca de 23 pessoas e 42 empresas “laranjas” – algumas são apenas empresas fantasma –, incluindo bares, restaurantes, imobiliárias, salões de eventos, produtoras musicais, cassinos e clubes de futebol. É aí que entra mais um pouco do esporte bretão nesta história.
Grande fã de futebol, Raúl Flores se tornou dono da Promotora Cultural y Deportiva Morumbí, dona dos times Guerreros de Autlán, franquias que disputavam a segunda e a terceira divisão nacional. As equipes da cidade de Autlán de Navarro, em Jalisco, tinha uma folha salarial atrativa para os jogadores e, em 2004, a representante na terceira divisão foi campeã, enquanto a da segunda ficou com o vice.
Tendo em conta o sucesso deste negócio, a empresa de Flores Hernández buscava abrir uma vaga para uma terceira equipe. Em 2008, porém, houve um rompimento com a Federação, que obrigou a venda do clube, com a cláusula de não abandonar o estado de Jalisco. Então, a compra foi feita pelo CD Oro, clube tradicional de Guadalajara, que havia se transformado no Club Social y Deportivo Jalisco.
Apesar dos 50 anos de carreira, Raúl Flores Hernández foi enfim capturado e junto com ele veio seu esquema e todas as pessoas envolvidas. E nem estamos falando do passado do narcotráfico no México, mas parte de seu presente. É por isso que esse especial não apresenta um final. Paramos por aqui, mas o narcotráfico permanece. Entre idas e vindas, ele também aparece no futebol.
México em música
Para fechar da melhor maneira essa parte extra do especial, só podia ser com esse Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco. O Mariachi é um gênero musical – apesar de serem os músicos do ritmo conhecidos por tal nome – originário no século XVI nos estados da Costa do Pacífico do território então conhecido como Nueva España. No início, foi um movimento popular condenado pela igreja e chegou a ser proibido por governos locais. Contudo, não se para algo que emana do povo.
Aos poucos, o Mariachi foi se desenvolvendo em duas expressões musicais, o Mariachi Tradicional, de origem rural, onde o som mais característico vem dos instrumentos de corda, sem a presença do trompete, tão marcante no Mariachi Moderno, que também é o mais popular nacional e internacionalmente. Por ser o ritmo mais difundido no México, apresenta inúmeras combinações com outros gêneros, principalmente com a Ranchera, o Corrido e a Valsa Mexicana.
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