VEIAS ABERTAS DO FUTEBOL LATINO – 2ª TEMPORADA (PARTE 4)
Os tentáculos do narcotráfico no futebol mexicano
Por Fabio Toledo

Tijuana, Baja California, México | Foto: Reprodução/carpemundi.com.br
“Aquí empieza la patria”, é o lema da cidade de Tijuana. Mas a distância da região mais populosa do estado da Baixa Califórnia para demais áreas de importância econômica e populacional do México é grande, principalmente em comparação à proximidade com os Estados Unidos. Separada apenas por um muro de San Diego, na Califórnia, Tijuana faz parte da macrometrópole que engloba as cidades da Baía de San Francisco, as regiões metropolitanas de Los Angeles e Las Vegas (já no Estado de Nevada) e do restante do sul californiano.
Por essa maior ligação com os Estados Unidos – especificamente a essa região dos EUA –, Tijuana apresenta alguma pompa, mas não se esquece do fato de estar do lado subdesenvolvido da fronteira, onde mais de 1.600 assassinatos com possível vínculo aos cartéis de tráfico de drogas aconteceram de janeiro a agosto de 2018. Entre as principais organizações criminosas presentes por lá, estão o Cartel de Sinaloa, mundialmente conhecido por ter sido chefiado por Joaquín Guzmán, “El Chapo”, e o Cartel de Jalisco Nueva Generación, de Nemesio Cervantes, “El Mencho”. Além deles, o Cartel de Tijuana, que atualmente está bem menor do que estava há algum tempo.
É de praxe a ramificação do crime organizado com outras frentes da sociedade – financeira, política, esportiva, etc – e em Tijuana não é diferente. Lá, segundo o relatório do serviço alfandegário do Departamento do Tesouro Americano, o longo histórico de relacionamento de uma família com as altas esferas da política e da sociedade teria sido aliado para os narcos numa das fronteiras mais quentes do planeta.
¡Caliente!

Carlos Hank Gonzalez | Foto: Reprodução/almomento.mx
Apesar de chover pouco mais de 20 dias por ano em média, a temperatura em Tijuana não é alta, devido à proximidade com o mar. Ainda assim, a palavra “caliente” se faz presente na cidade de maneira importante, tanto quanto o sobrenome Hank. Carlos Hank González, que foi professor de escola primária e se tornou líder político do Partido Revolucionário Institucional, foi prefeito de Toluca, governador do Estado do México e teve cargos no governo federal.
Carlos Hank também fez fortuna com seus negócios particulares, deixando uma grande herança a seus cinco filhos. O mais novo deles, Jorge, aproveitou a história do pai para construir seu próprio império. Em 1985, mudou-se para Tijuana, onde assumiu as operações do Hipódromo de Agua Caliente, de sua família. Pouco depois, criou o Grupo Caliente, ampliando os serviços para hotelaria, comércio e casas de apostas.
Depois da construção do Império Caliente, Jorge ainda se enveredou na política, sendo eleito prefeito de Tijuana em 2004. Foi no último ano de seu mandato, em 2007, que ele fundou a franquia do Club Tijuana Xoloitzcuintles de Caliente. A cidade, que chegou a ter uma equipe pouco antes, mas não pode ser mantido devido à falta de um estádio para seus jogos, também foi presenteada com a construção do Estadio Caliente. Em 2012, os Xolos, como são conhecidos, conquistaram o Torneo Apertura da Liga Mexicana e, no ano seguinte, ainda representaram o país na Copa Libertadores, onde chegou a eliminar o Palmeiras nas oitavas de final e quase superar o Atlético-MG, futuro campeão, nas quartas.
Extravagante, peculiar e obscuro
As três palavras acima podem definir um pouco da vida de Jorge Hank Rhon. Afinal, o magnata das apostas do México acumula esquisitices, como usar um colete de pele de crocodilo vermelho e botas de pele de avestruz ou obrigar por contrato os jogadores do Tijuana utilizarem chuteiras vermelhas. Ele tem 19 filhos, de cinco mulheres diferentes. É dono de um zoológico particular, com mais de vinte mil animais, com destaque para cachorros, principalmente os xoloitzcuintles, raça típica do México.

Jorge Hank | Foto: Reprodução/a7.com.mx
Seu aparente apreço a essa raça de cachorro ajudou na elaboração de seu time de futebol. Os xoloitzcuintles são habitualmente de cor castanha, mas em alguns casos nascem com a cor mais avermelhada. Um deles nasceu no zoológico de Jorge Hank, recebendo o nome de Hermoso. Quando veio a falecer, o dono o homenageou como mascote do clube Tijuana – o próprio mascote se chama Hermoso.
Por tudo isso, soa bastante normal o fato dele ter bancado a ida da baleia assassina que estrelou o filme “Free Willy” para um parque marinho no México, tanto quanto sua possível relação com narcotraficantes. Contudo, as investigações demoraram para avançar sobre Jorge.
Em meados dos anos 90, a DEA, junto com o FBI e o Serviço Alfandegário do Departamento do Tesouro Americano, realizou uma investigação envolvendo a família Hank. Ela resultou na prisão do motorista pessoal de Jorge, Rodolfo García González, capturado com 57 kg de cocaína vinda do México na fronteira de Otay Mesa, em San Diego, em novembro de 1995.
Na época, o nome do magnata “Caliente” também estava presente em possíveis envolvimentos com assassinatos de alguns desafetos – incluindo jornalistas –, com direito a guarda-costas de Jorge sendo incriminados. Contudo, o peso do nome Hank o manteve longe de problemas, tanto que posteriormente foi prefeito de Tijuana.
Depois, uma investigação financeira colombiana chamada “Operação Linha Verde” esteve atrás de Jorge Hank Rhon, por possível envolvimento com uma organização de traficantes colombianos e lavadores de dinheiro que operavam em San Diego. Novamente, ele passou ileso.
Isso seguiu até 2011, quando Jorge e mais dez pessoas foram presas em flagrante na posse ilegal de 40 fuzis, 48 pistolas, 9.298 balas, 70 munições e uma granada de gás. Pelo indicado, o arsenal seria distribuído a narcotraficantes. Seus defensores apontam sua prisão como algo político, por ele ser um potencial candidato ao governo do estado da Baixa Califórnia, em 2013.

Propriedade de Jorge Hank onde as armas foram encontradas | Foto: Reprodução/a7.com.mx
Já o relatório do serviço alfandegário dos Estados Unidos aponta algo diferente. Segundo ele, “a família Hank controla um certo número de negócios, corporações e empresas. As investigações financeiras determinaram que é mediante a isto que a família Hank está ligada com as grandes organizações de tráfico de drogas”.
Por conta dos processo penais aos quais Jorge passava, a Federação Mexicana de Futebol cogitou a desfiliação do Xolos de Tijuana, mas o clube se manteve, pois estava no nome de um dos filhos de Hank Rhon, Jorge Alberto Hank Inzunsa, e o Grupo Caliente era apenas “patrocinador”.
Caminho “Dorado”
Apesar dos processos judiciais, Jorge Hank não passou muito tempo na prisão. Enquanto a imprensa mexicana segue acusando-o de mandar matar jornalistas, traficar peles de animais exóticos e de ter vínculos com o narcotráfico, em 2013, ele e seu grupo adquiriram 60% das ações do Dorados de Sinaloa – exatamente! Da mesma região berço do cartel famoso.

Diego Maradona no Dorados de Sinaloa | Foto: Reprodução/foxsports.com.uy
Apesar de pouca importância no cenário futebolístico, o clube de 15 anos de história já contou com alguns nomes conhecidos. Por exemplo, Pep Guardiola encerrou a carreira neste time, em 2006, mesmo período em que Loco Abreu defendeu a equipe. Um ano antes, o brasileiro Iarley (ex-Goiás, Paysandu e Corinthians) jogou por lá.
Agora, o Dorados, sob o comando da família Hank, conta com ninguém menos que Diego Maradona como treinador da equipe, na disputa da segunda divisão mexicana. A atenção destacada para o clube apresentou ao mundo também um pouco do “caliente” e extravagante empresário com relações obscuras, Jorge Hank Rhon.
México em música
Se falamos bastante de Tijuana neste capítulo do especial, nada mais justo do que trazer um ritmo bastante conhecido por lá. Mas não é só por lá que o gênero Norteño é famoso. Sua representatividade está em boa parte da região Norte do México, além dos estados do Arizona, Califórnia, Nevada, Novo México e Texas. O ritmo se difundiu a partir da revolução mexicana e, até por ter esse caráter mais novo com relação ao outros gêneros musicais, se fundiu a outros ritmos, como o Corrido, o Huapango, a Ranchera, o Bolero e até mesmo a Cumbia Mexicana e a Polca.
O acordeon e o baixo sexto (instrumento de seis cordas duplas) são os instrumentos mais notáveis no ritmo Norteño, com a bateria, a caixa, o contrabaixo, o saxofone e até o baixo elétrico também sendo utilizados pelos conjuntos. Nas regiões de Sinaloa e Guerrero, criou-se um subgênero conhecido como Sierreño, que utiliza um violão de 12 cordas (ou um requinto – instrumento de cordas menor que o violão) e um violão acústico para suas melodias.
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